Frente e verso no Blogay
Escrito por Vitor Angelo às 18h36
29/08/2011
Livro é lançado para comemorar o Dia da Visibilidade Lésbica
Segunda-feira, 29, é o dia da Visibilidade Lésbica. Logo de cara, a gente se pergunta, por que não orgulho? O acerto do termo vem que antes de se ter orgulho, é preciso ter visibilidade. Mas se uma sociedade que ainda considera o sexo feminino um subgênero – apesar das mudanças profundas que as feministas conquistaram nessas últimas décadas –, imaginem o que pensam de mulheres que gostam de outras mulheres. Não é à toa que muitas musas da nossa MPB (Música Popular Brasileira) são “enclosetadas”.
Esse termo “enclosetada”, que significa esconder sua orientação homossexual, eu aprendi no livro “Frente e Verso – Visões da Lesbianidade”, da editora Brejeira Malagueta (a única que exclusivamente publica na América Latina livros dirigidos para o universo lésbico), lançado na data para dar exatamente mais visibilidade ao amor erótico entre mulheres como algo com identidade própria e não apenas um apêndice do erotismo heterossexual masculino – apesar de ser algo válido também dentro da ampla gama de possibilidades que é a sexualidade humana, é importante também notar que a lesbianidade tem vida própria longe dos machos. E necessita ser visível como tal.
A publicação é o trabalho de três mulheres homossexuais: Laura Bacellar, Hanna Korich e Lúcia Facco. São compilações de textos publicados na internet e inéditos de três autoras que se posicionam dentro da política, cultura e comportamento e retiram um grande clichê que diz que as lésbicas são mal humoradas. Os textos de “Frente e Verso” são cheios de um humor inteligente como comprova uma das co-autoras – e agitadora cultural – Laura Barcellar em entrevista exclusiva para o Blogay.
Blogay: Como surgiu o livro?
Laura Barcellar: Nós três somos lésbicas que 1) ficamos indignadas ou incensadas quando vemos algumas manifestações que passam batido pela cultura em geral, como a declaração de Cláudia Jimenez [atriz] de que caiu nas mulheres porque se sentia muito gorda e pouco atraente para os homens; 2) escrevemos sobre isso em sites; 3) achamos importante que as lésbicas saiam dos buracos onde se escondem e falem sobre si mesmas. Assim, resolvemos reunir o que tínhamos feito e pensado, incluindo artigos inéditos, e publicamos o “Frente e Verso – Visões da Lesbianidade”. Que é o primeiro livro de artigos assinados por lésbicas a sair desde o “Grrrls” de Vange Leonel, de 2001.
Como o livro forma uma unidade? Como se discutiu a edição dos textos?
Nós selecionamos os artigos que abordavam de maneira clara a lesbianidade e focavam cultura ou comportamento ou política. Como temos uma opinião semelhante quanto à necessidade de nos expormos e falarmos e marcarmos terreno, e como acreditamos firmemente na necessidade de que as mulheres lésbicas devem exercitar sua autoestima se quiserem ter a mínima chance de uma vida não miserável, nossos artigos formaram uma unidade surpreendente.
No que as lésbicas são diferentes dos gays?
As lésbicas são menos corajosas, mais enfiadas em casa, menos acostumadas a brigar pelo que querem. Isso porque foram criadas como mulheres, e os gays como homens. Essa diferença de assertividade é um veneno se você se encontra numa posição que a sociedade desaprova. A maioria das mulheres tem muita dificuldade de fazer algo que sua família, seus colegas de trabalho e escola e templo desaprovem.
Laura, existe uma crença de que as lésbicas se vestem mal? O que acha disso?
É verdade, hehehe. Como não há uma moda específica para lésbicas — com exceção talvez do que foi visto no seriado “The L Word” — e como a moda ignora que existam mulheres que queiram ser atraentes para outras mulheres, as lésbicas acabam fazendo escolhas individuais que muitas vezes valorizam o conforto. Eis a razão de “sapatão”, já que as lésbicas em geral odeiam sapatos apertados como os de salto. Há exceções, mas se você arranja uma namorada sem precisar se torturar, para que se torturar?
Como mudar a ideia quase de senso comum que a lesbianidade é uma espécie de apêndice, uma preliminar e fantasia dentro das relações heterossexuais?
Fazer o quê? Os homens acham que o mundo existe à sua volta e foi criado para servi-los. Como lésbicas são um evento que realmente acontece fora de sua área de influência, os homens acham que é uma provocação para um sexo diferente. Mudar isso exigiria que as pessoas começassem a entender que as mulheres são diferentes dos homens e não existem para servi-los. Mas elas próprias precisariam mudar sua atitude de fazer qualquer coisa para conquistar um macho, não?
O movimento GLBT resolveu colocar o L antes – virou LGBT – para dar destaque às lésbicas. Vocês acreditam que isso mudou alguma coisa ou melhorou a visão dos outros grupos (bi, trans, gays) em relação às lésbicas?
Não, uma mudança como essa tem pouco impacto, mas aponta uma situação verdadeira: onde quer que haja gays e lésbicas, as lésbicas somem e os gays aparecem. O problema é o machismo da nossa sociedade, não algo particular das minorias sexuais.
Apesar de serem primos, o que é mais difícil para uma lésbica, combater a homofobia ou a misoginia?
As lésbicas sentem os dois todos os dias, é difícil responder. Mas eu diria que no cotidiano a misoginia é mais atuante, porque a população não tem consciência de quantas lésbicas existem. Eu sinto mais preconceito por ser mulher, que todo mundo vê e percebe que eu sou, do que como lésbica, já que não é sempre que minha orientação sexual acusa nos radares das pessoas em volta.
Laura Bacellar e Hanna Korich, co-autoras – junto com Lúcia Facco – do livro “Frente e Verso – Visões da Lesbianidade”. Lançamento cobre lapso de 10 anos sem um título sobre o universo das lésbicas no país